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Saudável solidão

As folhas e a casca da nogueira têm qualidades terapêuticas. Os romanos já sabiam (quase) tudo sobre esta árvore que dá muito mais do que nozes. Rejeita-se o quebra-nozes com o olhar no martelo e na tábua de madeira. As mãos pedem descanso e as nozes exigem uma pancada leve, seca e cuidadosa para ficarem inteiras. Uma tarefa típica do final do outono e do inverno, pois em Manteigas são muitas as nogueiras e raras as avelaneiras e amendoeiras. A sabedoria popular, nesta vila, elogia a noz pela capacidade de melhorar a memória — não fora o fruto tão parecido com o cérebro. Ao longo da história muitos povos lhe foram encontrando qualidades. Os romanos, por exemplo, consideravam a nogueira uma árvore sagrada e as nozes um símbolo de fertilidade. Durante o império romano, nos banquetes em que se consumia carne sacrificada no altar aos deuses, após inúmeros pratos de caça, porco, ostras, marisco, pão, legumes, peixe e vinho, a refeição terminava com fruta: nozes, figos secos e uvas em conserva. Estes primores eram considerados …

Quem deita a feijoca à terra?

O agricultor tipo que recebe o incentivo ao cultivo da feijoca  é homem, tem 50 a 75 anos e o ensino básico. “O agricultor que se candidata [ao programa de incentivo ao cultivo da feijoca] tem entre 50 e 75 anos, possui o ensino básico e tem terrenos na freguesia de São Pedro”, diz Pedro Lucas, engenheiro florestal da Câmara Municipal de Manteigas (CMM). Esta caraterização baseia-se numa pequena amostra de candidatos, mas revela que “a maioria consegue escoar metade da produção do ano anterior, ficando o resto para o autoconsumo e sementeira do ano seguinte”, acrescenta o técnico. Passados dois anos sobre o seu lançamento, a primeira análise àquele programa de incentivo aponta a necessidade de mudanças. “Gostávamos que houvesse mais pessoas a candidatarem-se até porque sabemos que há mais agricultores a produzirem feijoca”, constata Pedro lucas, ao assinalar que o número de candidatos ao apoio não aumentou (ver gráfico). Ano          Nº Agricultores                 Produção (kg)                   …

Do terroir se faz a feijoca

Seguimos o cultivo da feijoca de Manteigas de Maio a Outubro. Descobrimos como o clima e solo a caracterizam e que papel tem a leguminosa no processo de emagrecimento. Carlos Baptista gosta de fazer experiências. Por curiosidade. Para saber o que acontece às suas feijocas quando são cultivadas em meios diferentes. Já levou alguns exemplares de Manteigas para Aveiro e “produziram muito. Eram iguais, só que o sabor ficou diferente, não era tão doce.” A semente que todos os anos cultiva em terrenos localizados no Vale Glaciar do Zêzere transformou-se “numa feijoca vulgar”. Afinal, continua o agricultor, “a nossa feijoca tem a casca fina. Nas outras, logo quando as pomos de molho, a pele facilmente rebenta. A nossa não, estica e aguenta-se.” Na colheita de 2015 decidiu realizar novo teste. Desta feita cultivou a feijoca de Cabo Verde num canto dos terrenos que trata. A favona, como é conhecida naquele país, é bem maior do que a leguminosa de Manteigas, apesar de também ser esbranquiçada (veja fotografia). Depois da colheita em Outubro chegou a surpresa: “Estão iguais à nossa, diminuíram de tamanho. …

Pelas faias em silêncio

Na rota das faias as copas das árvores seguem-nos. O céu funde-se com o verde ou dourado das folhas. Os ouvidos são reis num bosque cheio de sussurros. Durante a primavera e o verão a luz do sol é coada pelas folhas das faias com vibrantes tons de verde. As vozes acalmam-se na sombra fresca da rota das faias para se ouvir os passos, os chocalhos distantes dos rebanhos e o vento ligeiro a abanar os ramos. No outono as folhas passam de verde para castanho dourado, começam a cair das árvores e partem-se, secas e crocantes, debaixo das botas. Na primeira parte do passeio, pouco depois de se sair da Cruz das Jogadas, mesmo ao lado da Capela de São Lourenço, descobre-se a paisagem intensa, sente-se o nascer do sol. É essa a porta de entrada para o bosque de faias e o início de um percurso que nos leva através do fértil vale de Pandil e, de regresso, à Cruz das Jogadas.  

Corvos, nem um

Tocar Espanha a partir do Fragão do Corvo. Antes da chegada ao Fragão do Corvo os olhos prendem-se nos detalhes: casas, árvores, plantas. Não se veem animais, muito menos pássaros. Lá no topo, a cerca de 1450 metros de altitude, a imensa paisagem impõe silêncio. Quando o céu está limpo, dali pode-se vaguear por Manteigas, seguir ao longo do vale do Zêzere, passar pela Guarda e entrar em Espanha para espreitar as serras de Peña de Francia, Gredos e Béjar. Manteigas vista do Fragão do Corvo.

A feijoca regressa à horta

Esta receita de feijoca cobiça os legumes de primavera e verão, mas também serve para acompanhar carne e enchidos. Sim, é verdade, este prato não tem carne nem enchidos. Outra surpresa: a feijoca pode transformar-se numa refeição menos pesado e mais simples. Isso não significa que o gosto fuja a sete pés e que a tradição seja maltratada. Basta temperar cuidadosamente e cozinhar com lentidão para se revelarem outras características da feijoca. Acompanhado apenas com arroz é um prato vegetariano substancial, afinal, tem as proteínas da leguminosa. Quem quiser pode assar umas rodelas de morcela ou grelhar entrecosto para servir com o estufado. A textura delicada da feijoca de Manteigas e o adocicado dos legumes são excelentes parceiros desses sabores mais fortes. No fundo, a feijoca estufada com vegetais permite que se juntem à mesma mesa amantes de carne e vegetarianos (ou mesmo vegan) convictos. Esta versão pode ser uma boa aliada para variar a utilização dos legumes de primavera e verão. Feijoca estufada com legumes Para cozer as feijocas: 250 gr. de feijoca seca 1 cebola pequena 1 folha de louro média sal q.b. 2 dentes de …

As pantufas do javali

Sobreviver é a lei mais importante da caça. Para a presa e para o caçador. Enquanto se espera há tempo para contemplar e conhecer a natureza. Silêncio e concentração. Com os pés em cima da neve gelada e o vento frio a cortar a pele do rosto, era difícil manter tamanho sossego para se ouvir os passos rápidos e abafados dos javalis. Afinal, numa montaria tudo é determinado num fogacho, após horas de silêncio com os ouvidos nos latidos longínquos dos cães, no apito agudo das cornetas dos matilheiros. Os caçadores esperam pela presa e reagem com urgência mal espiam uma mancha negra a correr entre os arbustos e o arvoredo. Ali, na Serra de Baixo, durante a montaria organizada a 7 de Fevereiro pelo Clube de Caça e Pesca de Manteigas, a conversa fazia-se num suspiro, enquanto os olhos se colavam na encosta mesmo em frente dos nossos narizes. Os javalis demoravam a aparecer. Nesse largo compasso de espera a imaginação trabalhava tendo apenas por base as histórias que foram saltando como troféus de caça durante o …

Sem arma, com matilha

Os matilheiros seguem atrás dos javalis sem arma, apenas com uma faca e um pau. Andam por montes e vales com os seus cães, a encaminhar as presas até aos caçadores. No fim da montaria na Serra de Baixo, no passado dia 7 de Fevereiro, os matilheiros mostravam mãos feridas e rostos afogueados. O cansaço disfarçava mal o entusiasmo da perseguição. À volta das suas pernas os cães continuavam a circular, excitados. Como se as últimas cinco horas não tivessem sido passadas a correr atrás de javalis entre giestas, carqueja e pinheiros, a ladrar e latir sem cessar. Durante a montaria do Clube de Caça e Pesca de Manteigas os cães colaram os narizes no chão, farejaram o ar à procura de um sinal, sempre à espera da orientação dos donos. Com palavras certas e o som das pequenas cornetas, os matilheiros acompanharam os cães. “Incentivam-nos a levarem as peças até às portas”, explicou Helder Cantarinha. São os matilheiros que percorrem as cumeadas e descem os vales atrás dos grupos de cães que alimentam e tratam ao …

Matação na Vinha Morta.

O dia da matança do porco é feito de rituais. Os homens matam e limpam o animal. As mulheres transformam o sangue. E assim se fazem as morcelas. À volta do alguidar as vozes das mulheres ajudam a esquecer a tarefa monótona de encher as tripas para as morcelas. Ali, no lugar da Vinha Morta, em Manteigas, o trabalho é muito e demorado apesar das mãos rápidas e certeiras. Bem cedo, após o sol nascer, cinco homens apoiaram o sangrador na empreitada mortal. Abriram o bicho, limparam-no e penduraram-no pelas pernas traseiras no chambaril, um pedaço de madeira em forma de arco. A faina masculina acabou a meio da manhã. Um ou dois dias depois de a carne maturar com o frio de Fevereiro e perder a rigidez da morte, ainda terão de cortar o porco. Cada parte, consoante a sua função, será congelada, salgada ou utilizada para fazer novos enchidos como farinheiros e chouriços. Nada se perde. Cinco mulheres têm pela frente um dia cheio. Entremeiam as horas com histórias de hoje e memórias antigas. Espicaçam as solteiras com os seus …