Year: 2015

O inferno fica além do poço?

A resposta talvez nunca surja, tantos são os focos de distração ao longo da caminhada: a flora exuberante, as paisagens imensas… O percurso começa e acaba no Poço do Inferno, uma cascata com cerca de 10 metros na Serra da Estrela. Segue pela ribeira de Leandres – o afluente do rio Zêzere que forma aquela queda de água – e acompanha bosques com castanheiros, faias e tramazeiras entre outras espécies de árvores e arbustos. A reportagem fotográfica do passeio:    

Olhe que são três a cinco euros!

No dia do mercado, uma vez por mês, a vila de Manteigas ainda sai a passeio. Tudo e nada se compra, desde meias a sofás, saias e sapatos. A mãe interrompe-o pouco depois de começar. Alto e moreno, José Pedro é vendedor de roupa. “Pedro é o último nome”, confirma sem muitos sorrisos. “Já venho à feira de Manteigas há uns 20 anos, primeiro ficávamos ali perto da igreja”, acrescenta. A mãe, Rosalina Graça, pequena, enérgica, não perde a oportunidade e corta-lhe o discurso: “Hoje em dia não se vende nada”. O filho tenta continuar a conversa, explicando que, nos primeiros anos em que a feira se mudou para o parque de desportos radicais, fora das ruas principais da vila, “ainda foi bom, vendia-se bem. Mas depois, “com o cair das fábricas de têxteis, tudo mudou. Faliram e o poder de compra diminuiu”. A mãe volta à carga: “Se calhar ainda vamos para pior. A China deu cabo de tudo”. O filho desiste, entrega-se às vendas e aos clientes. Os compradores não são muitos e ouve-se algumas feirantes …

A cabra comeu as nozes

Grelos salteados com queijo de cabra curado e nozes. Ingredientes da montanha uniram-se para criar um prato rápido e simples. A ligação entre os sabores é mais intensa quando se juntam produtos da mesma região. Os grelos de nabo aliaram-se às nozes apanhadas neste outono e ao queijo de cabra curado da Serra da Estrela. A receita foi feita a pensar nas nozes de montanha (veja “Saudável solidão“) e pode adaptar-se com facilidade. A versatilidade surge da sua natureza tão simples, afinal, tem apenas três ingredientes principais. É uma entrada, mas torna-se, num ápice, num almoço ou jantar vegetariano. Basta juntar batatas assadas ou puré de castanha. Também acompanha carnes de aves, mas convém reduzir a quantidade de queijo – apenas o suficiente para registar o sabor e a textura do lacticínio sobre os legumes. Pode transformar-se numa sandes colocando os três ingredientes sobre pão centeio integral. Não se coloca a possibilidade de acompanhar peixe. Seria necessário retirar o queijo que dificilmente combinaria com, por exemplo, salmão, bacalhau ou mesmo pescada. Por ser a primeira receita do migalho com nozes, o fruto da nogueira não …

Saudável solidão

As folhas e a casca da nogueira têm qualidades terapêuticas. Os romanos já sabiam (quase) tudo sobre esta árvore que dá muito mais do que nozes. Rejeita-se o quebra-nozes com o olhar no martelo e na tábua de madeira. As mãos pedem descanso e as nozes exigem uma pancada leve, seca e cuidadosa para ficarem inteiras. Uma tarefa típica do final do outono e do inverno, pois em Manteigas são muitas as nogueiras e raras as avelaneiras e amendoeiras. A sabedoria popular, nesta vila, elogia a noz pela capacidade de melhorar a memória — não fora o fruto tão parecido com o cérebro. Ao longo da história muitos povos lhe foram encontrando qualidades. Os romanos, por exemplo, consideravam a nogueira uma árvore sagrada e as nozes um símbolo de fertilidade. Durante o império romano, nos banquetes em que se consumia carne sacrificada no altar aos deuses, após inúmeros pratos de caça, porco, ostras, marisco, pão, legumes, peixe e vinho, a refeição terminava com fruta: nozes, figos secos e uvas em conserva. Estes primores eram considerados …

Quem deita a feijoca à terra?

O agricultor tipo que recebe o incentivo ao cultivo da feijoca  é homem, tem 50 a 75 anos e o ensino básico. “O agricultor que se candidata [ao programa de incentivo ao cultivo da feijoca] tem entre 50 e 75 anos, possui o ensino básico e tem terrenos na freguesia de São Pedro”, diz Pedro Lucas, engenheiro florestal da Câmara Municipal de Manteigas (CMM). Esta caraterização baseia-se numa pequena amostra de candidatos, mas revela que “a maioria consegue escoar metade da produção do ano anterior, ficando o resto para o autoconsumo e sementeira do ano seguinte”, acrescenta o técnico. Passados dois anos sobre o seu lançamento, a primeira análise àquele programa de incentivo aponta a necessidade de mudanças. “Gostávamos que houvesse mais pessoas a candidatarem-se até porque sabemos que há mais agricultores a produzirem feijoca”, constata Pedro lucas, ao assinalar que o número de candidatos ao apoio não aumentou (ver gráfico). Ano          Nº Agricultores                 Produção (kg)                   …

Do terroir se faz a feijoca

Seguimos o cultivo da feijoca de Manteigas de Maio a Outubro. Descobrimos como o clima e solo a caracterizam e que papel tem a leguminosa no processo de emagrecimento. Carlos Baptista gosta de fazer experiências. Por curiosidade. Para saber o que acontece às suas feijocas quando são cultivadas em meios diferentes. Já levou alguns exemplares de Manteigas para Aveiro e “produziram muito. Eram iguais, só que o sabor ficou diferente, não era tão doce.” A semente que todos os anos cultiva em terrenos localizados no Vale Glaciar do Zêzere transformou-se “numa feijoca vulgar”. Afinal, continua o agricultor, “a nossa feijoca tem a casca fina. Nas outras, logo quando as pomos de molho, a pele facilmente rebenta. A nossa não, estica e aguenta-se.” Na colheita de 2015 decidiu realizar novo teste. Desta feita cultivou a feijoca de Cabo Verde num canto dos terrenos que trata. A favona, como é conhecida naquele país, é bem maior do que a leguminosa de Manteigas, apesar de também ser esbranquiçada (veja fotografia). Depois da colheita em Outubro chegou a surpresa: “Estão iguais à nossa, diminuíram de tamanho. …

No prato fica a semente

Antes de chegar à terra a semente de cebola salta para a panela. O frio anuncia o cultivo das cebolas. E lembra um conselho de Conceição Rafael: “Experimentai guardar algumas para cozinhar”. O pequeno tamanho ameaça excesso de trabalho no momento de descascar, mas a tarefa fica reduzida a minutos depois de serem escaldadas em água a ferver. A partir daqui tudo é possível. Se pelar muitas, pode congelar algumas ainda cruas para utilizar no futuro. Fritas ficam particularmente doces. Aos assados e estufados, tanto de carne como de peixe, dão também doçura e suavidade. Salteadas, especialmente se ficarem um pouco crocantes, deixam na língua um sabor picante. Neste caso as pequenas cebolas acompanham melhor pratos intensos, para o sabor da cebola não se sobrepor aos outros ingredientes. O processo é simples:  1- Colocar as cebolas em água a ferver por 30 segundos a um minuto. 2- Retirar as cebolas do lume. 3- Colocá-las numa taça com água e cubos de gelo para pararem de cozer. 4- Tirar a pele. Se necessário cortar a raiz, mas cuidado para …

Sinais de fumo

Numa tisana, para aromatizar um arroz ou acender o lume, a carqueja tem várias utilizações. O nariz é o primeiro a notar a diferença quando é usada, bem seca, para atear as chamas da fogueira. Um odor suave surge pouco antes do fogo que obriga a fechar a porta da salamandra. Tudo é diferente neste arbusto espinhoso que foi sendo apanhado nos passeios pela serra nos dias mais frios. As acendalhas são furiosas, raivosas, cheiram mal. A pinha prolonga o tempo, resiste, eleva a chama bem alto ao sabor da resina. A carqueja é delicada e efémera, deixa atrás de si um odor a floresta antiga e folhas crocantes. Durante o inverno atiçou o fogo e aliviou o frio. Entre abril e maio, quando a pterospartum tridentatum se enche de pequenas flores amarelas, é possível fazer arroz de carqueja ou beber uma tisana. Na primavera, durante a floração, tem-se pleno acesso às propriedades medicinais desta planta que, curiosamente, faz parte da família das leguminosas: uma infusão de 30 gramas de flores num litro de água fervida ajuda a tratar gripes, …