Os matilheiros seguem atrás dos javalis sem arma, apenas com uma faca e um pau. Andam por montes e vales com os seus cães, a encaminhar as presas até aos caçadores.
No fim da montaria na Serra de Baixo, no passado dia 7 de Fevereiro, os matilheiros mostravam mãos feridas e rostos afogueados. O cansaço disfarçava mal o entusiasmo da perseguição. À volta das suas pernas os cães continuavam a circular, excitados. Como se as últimas cinco horas não tivessem sido passadas a correr atrás de javalis entre giestas, carqueja e pinheiros, a ladrar e latir sem cessar.
Durante a montaria do Clube de Caça e Pesca de Manteigas os cães colaram os narizes no chão, farejaram o ar à procura de um sinal, sempre à espera da orientação dos donos. Com palavras certas e o som das pequenas cornetas, os matilheiros acompanharam os cães. “Incentivam-nos a levarem as peças até às portas”, explicou Helder Cantarinha. São os matilheiros que percorrem as cumeadas e descem os vales atrás dos grupos de cães que alimentam e tratam ao longo de todo o ano. Na batida têm no terreno a companhia do caçador, contudo, numa montaria encaminham os javalis até ao caçador que está numa área específica, uma “porta” numerada e atribuída por sorteio.
Aquele bombeiro de Folgosinho, matilheiro nos tempos livres, falou com voz leve e brincalhona, enquanto descreveu as suas tarefas, em especial as mais perigosas. “Defendo-me com um pau e uma faca, não levo arma, mesmo quando aparecem aqueles javalis mais velhos, os navalheiros [são assim chamados os animais com grandes caninos].” Para o matilheiro de 31 anos, este é um “desporto em que um dia não é igual ao outro. Como quando os cães agarram uma peça de caça e nós temos de rematar”. Ao fazer o remate, o matilheiro abate, sempre com faca, nunca com arma de fogo, o javali abocanhado pelos cães. Razão pela qual não são invulgares as histórias de homens e, em particular, de cães feridos ou mesmo vitimados pelos javalis enfurecidos pela perseguição de que são alvo.
O porco selvagem está mais activo ao entardecer e durante a noite. As montarias e batidas decorrem entre o nascer e o pôr do sol. Por isso o papel dos matilheiros e dos seus cães é vital numa caçada desta natureza. Só a sua intervenção faz com que os animais saltem dos abrigos.
Com 18 anos André Gomes nunca tinha visto um javali e foi com os matilheiros que deu o primeiro passo na caça. “Sem arma, mas com uma lança, este pau.” E esgrimiu um bastão comprido de madeira branca, rude, com motivos geométricos pirogravados.
“Vou atrás deles, dos matilheiros”, acrescentou o jovem da Covilhã. Magro e alto, não usou muitas palavras para explicar a sua entrega iniciática ao trabalho mais arriscado da montaria. No entanto, a sua cabeça mostrou vigorosa concordância quando um companheiro de caçada, Miguel Gonçalves, 23 anos, constatou: “Liberta o espírito dos afazeres. Ali estou em paz, não é tanto para matar.”