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Mimo às manadas

A montanha não dá abrigo e alimento apenas às cabras e ovelhas. As vacas do vale da Castanheira pastam nos lameiros e comem centeio. Ainda com espanto e um sorriso, José Eduardo Brazete recorda um dos primeiros invernos em que começou a criar gado. “Andei à procura das vacas e não as via. Imaginava-as meio mortas, mas encontrei-as entre as giestas, vivas, todas juntas”. Ali, na Castanheira, a uma altitude de cerca de 980 metros, os meses mais frios podem ser bastante duros. No entanto, é neste ecossistema em pleno Parque Natural da Serra da Estrela que o agricultor de 59 anos encontra todos os ingredientes para cuidar da sua manada. “Os bezerros bebem leite e comem erva. Semeio centeio para elas comerem. Depois dou-lhes na primavera, enquanto ele [o cereal] está pequenino”, explica José Eduardo Brazete. O gado de José Eduardo Brazete, 21 fêmeas e 2 machos, vive em relativa liberdade nos 14 hectares da propriedade, apenas limitada pela cerca (pastor) elétrica. São uma mistura de duas raças francesas, “a charolesa, porque são vacas …

A azeitona apanhou um susto

Por causa do excesso de calor a azeitona amadureceu cedo e a colheita começou num ápice. Fomos espreitar o funcionamento de um lagar e descobrimos que o azeite ainda pode servir de moeda de troca. Em meados de novembro a apanha da azeitona ia quase no fim. No lagar transformava-se o fruto da oliveira com a certeza de que tudo estava a acontecer cedo demais. A primavera seca, a falta de água e muito sol assustaram a azeitona, mudaram-lhe o calendário e incomodaram-lhe a saúde trazendo algumas pragas: mosca e gafa. Os trabalhadores que apanharam a azeitona não precisaram de tanta roupa, como noutras campanhas bem mais frias e a entrar no inverno. Quem olha os campos à volta de Manteigas confirma que o tempo pode ter aquecido, contrariando a convenção, mas o olival tradicional, na maior parte dos casos, ainda se mantém intocável: as oliveiras são altas e não pequenas, organizadas, como nos olivais modernos, mesmo os que seguem o modelo de cultivo tradicional. Aqueles que fazem a colheita encostam escadas ao tronco para varejarem a azeitona que tomba sobre sarapilheira ou mantas …

O verão não deu a última gargalhada

Os pássaros debicam a fruta nas árvores, mas deixam bastantes figos, pêssegos e maçãs para a D. Ermelinda secar ao sol. Assim se matam as saudades do calor durante o inverno. As três figueiras que Ermelinda Marcelino tem no seu terreno são partilhadas. Os pássaros comem uma pequena parte da fruta e os figos que restam ficam para ela. “Dá para todos, divido”, explica, satisfeita com esta distribuição tão ecológica, mas incomodada com “os figos que se desperdiçaram por não ter sido capaz de os apanhar”. Afinal, é para não desaproveitar a produção que, aos 74 anos, ainda seca, ao sol do verão, grande parte da fruta por si colhida. “Antigamente tudo era pobre, todos aproveitavam tudo para o inverno, tudo se guardava”, recorda sentada ao pé da lareira, na sua casa na aldeia de Vale de Amoreira, uma das quatro freguesias do concelho de Manteigas. Ermelinda Marcelino começou a secar fruta em pequena. A mais velha de nove irmãos, cuidava da casa enquanto os pais trabalhavam. “Quando podia, eu é que ia arrebanhando os figos …

A cabra comeu as nozes

Grelos salteados com queijo de cabra curado e nozes. Ingredientes da montanha uniram-se para criar um prato rápido e simples. A ligação entre os sabores é mais intensa quando se juntam produtos da mesma região. Os grelos de nabo aliaram-se às nozes apanhadas neste outono e ao queijo de cabra curado da Serra da Estrela. A receita foi feita a pensar nas nozes de montanha (veja “Saudável solidão“) e pode adaptar-se com facilidade. A versatilidade surge da sua natureza tão simples, afinal, tem apenas três ingredientes principais. É uma entrada, mas torna-se, num ápice, num almoço ou jantar vegetariano. Basta juntar batatas assadas ou puré de castanha. Também acompanha carnes de aves, mas convém reduzir a quantidade de queijo – apenas o suficiente para registar o sabor e a textura do lacticínio sobre os legumes. Pode transformar-se numa sandes colocando os três ingredientes sobre pão centeio integral. Não se coloca a possibilidade de acompanhar peixe. Seria necessário retirar o queijo que dificilmente combinaria com, por exemplo, salmão, bacalhau ou mesmo pescada. Por ser a primeira receita do migalho com nozes, o fruto da nogueira não …

Saudável solidão

As folhas e a casca da nogueira têm qualidades terapêuticas. Os romanos já sabiam (quase) tudo sobre esta árvore que dá muito mais do que nozes. Rejeita-se o quebra-nozes com o olhar no martelo e na tábua de madeira. As mãos pedem descanso e as nozes exigem uma pancada leve, seca e cuidadosa para ficarem inteiras. Uma tarefa típica do final do outono e do inverno, pois em Manteigas são muitas as nogueiras e raras as avelaneiras e amendoeiras. A sabedoria popular, nesta vila, elogia a noz pela capacidade de melhorar a memória — não fora o fruto tão parecido com o cérebro. Ao longo da história muitos povos lhe foram encontrando qualidades. Os romanos, por exemplo, consideravam a nogueira uma árvore sagrada e as nozes um símbolo de fertilidade. Durante o império romano, nos banquetes em que se consumia carne sacrificada no altar aos deuses, após inúmeros pratos de caça, porco, ostras, marisco, pão, legumes, peixe e vinho, a refeição terminava com fruta: nozes, figos secos e uvas em conserva. Estes primores eram considerados …

Quem deita a feijoca à terra?

O agricultor tipo que recebe o incentivo ao cultivo da feijoca  é homem, tem 50 a 75 anos e o ensino básico. “O agricultor que se candidata [ao programa de incentivo ao cultivo da feijoca] tem entre 50 e 75 anos, possui o ensino básico e tem terrenos na freguesia de São Pedro”, diz Pedro Lucas, engenheiro florestal da Câmara Municipal de Manteigas (CMM). Esta caraterização baseia-se numa pequena amostra de candidatos, mas revela que “a maioria consegue escoar metade da produção do ano anterior, ficando o resto para o autoconsumo e sementeira do ano seguinte”, acrescenta o técnico. Passados dois anos sobre o seu lançamento, a primeira análise àquele programa de incentivo aponta a necessidade de mudanças. “Gostávamos que houvesse mais pessoas a candidatarem-se até porque sabemos que há mais agricultores a produzirem feijoca”, constata Pedro lucas, ao assinalar que o número de candidatos ao apoio não aumentou (ver gráfico). Ano          Nº Agricultores                 Produção (kg)                   …

Do terroir se faz a feijoca

Seguimos o cultivo da feijoca de Manteigas de Maio a Outubro. Descobrimos como o clima e solo a caracterizam e que papel tem a leguminosa no processo de emagrecimento. Carlos Baptista gosta de fazer experiências. Por curiosidade. Para saber o que acontece às suas feijocas quando são cultivadas em meios diferentes. Já levou alguns exemplares de Manteigas para Aveiro e “produziram muito. Eram iguais, só que o sabor ficou diferente, não era tão doce.” A semente que todos os anos cultiva em terrenos localizados no Vale Glaciar do Zêzere transformou-se “numa feijoca vulgar”. Afinal, continua o agricultor, “a nossa feijoca tem a casca fina. Nas outras, logo quando as pomos de molho, a pele facilmente rebenta. A nossa não, estica e aguenta-se.” Na colheita de 2015 decidiu realizar novo teste. Desta feita cultivou a feijoca de Cabo Verde num canto dos terrenos que trata. A favona, como é conhecida naquele país, é bem maior do que a leguminosa de Manteigas, apesar de também ser esbranquiçada (veja fotografia). Depois da colheita em Outubro chegou a surpresa: “Estão iguais à nossa, diminuíram de tamanho. …