Campo, Manteigas
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Mudar a fralda aos queijos

São cada vez menos os pastores que ainda fazem e vendem queijos de ovelha e de cabra. Etelvina Reis e Augusto Ribeiro tratam os seus como se fossem filhos a precisar de mimos diários. Uma história de trabalho partilhado.

“Eu também vou com elas para Campo Romão, ali depois da antiga Pousada”, alerta Etelvina Reis. Elas são as 25 cabras e as 100 ovelhas, normalmente, guiadas pelo seu marido, Augusto Santos Ribeiro. No dia-a-dia as mãos de Etelvina estão mais ocupadas com a transformação do leite em queijo, mas isso não a impede de pastorear, se necessário.

Também ela conhece as manhas dos animais. “O leite é mais fraco no tempo quente. Elas correm muito para as giestas e empinam-se para apanharem a flor. Parecem loucas por aquilo. Até fui provar as flores para compreender o gosto e são amargas”, diz com um sorriso largo, enquanto torce o nariz. “Para elas é como se fossem rebuçados de mentol, é o que eu digo!”

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Olhar curioso.

Olha para a janela e aponta uma intersecção no caminho que vai para a casa da sua vizinha, agora viúva. “Dividíamos o trabalho. Dois dias éramos nós que levávamos os dois rebanhos, dois dias eram eles que os levavam. Os animais estavam habituados a conviver. Os rebanhos encontravam-se no cruzamento para irem pastar e era ali que se separavam e seguiam para a casa a que pertenciam”. A repartição de esforços facilitava a vida dos dois casais que, aos empregos na vila de Manteigas, somavam as tarefas da casa e o trabalho agrícola. “Quando há poucos anos o Sr. Bernardino morreu e o rebanho deles foi vendido, as nossas ovelhas ficavam à espera das outras aos berros”. A partilha não cessou por completo. Os cardos para coalhar o leite são usados pelas duas famílias.

A cozinha de Etelvina Reis é larga, limpa e muito arrumada. Ao entrar nela, o olhar é atraído por um armário recheado de queijos de ovelha bem alinhados. Tem as portas abertas onde estão pendurados panos e tiras de tecido branco de algodão. “Limpo-os com água e com um pano todos os dias. A meio da cura tenho de os ligar com estas cintas de algodão. São como uma criança pequenina a que é preciso mudar a fralda. Só que os queijos são muitos”.

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Todos os dias Etelvina Reis lava e limpa os queijos.

No inverno com cinco litros faz um queijo de um quilo, nos meses de maior calor é necessário mais leite. “No inverno o leite coalha mais depressa do que no verão, porque tem mais qualidade, mais gordura. De dezembro até à entrada de maio o queijo é melhor”, explica a queijeira. “No verão o leite está mais fino, o pasto não tem tanto alimento, nem tantas vitaminas”, acrescenta o marido.

As estações ainda são cruciais para a vida de pastor e queijeira, apesar das alterações climatéricas. O que também não muda é a certeza de Etelvina Reis: “A vida de pastor é ingrata” e a de queijeira é “cheia de trabalho”. Para “vender o leite é só entregá-lo depois da ordenha”. Por três anos o casal experimentou deixar de fazer queijos e apenas vender o leite. “O comprador passava ali na Casa do Guarda, mas depois baixaram o preço do leite de cabra e eu disse ao senhor: ‘Assim não o vendo!’”

Regressaram ao quotidiano de sempre: fazer os queijos depois de filtrar o leite e de juntar o cardo, por fim, é preciso esperar que cada exemplar cure no armário da cozinha (veja fotografias com processo de fabrico). “Temos clientes fixos, comerciantes e particulares que só cá vêm porque conhecem o nosso queijo”, orgulha-se Augusto Ribeiro. “Estou legal, passo fatura. Há quem queira mais amanteigado, outros mais curado. Vai do gosto”.

O pastor foi, durante 30 anos, guarda-noturno na Sotave – Sociedade Têxtil dos Amieiros Verdes. Decidiu aumentar o rebanho depois de se reformar há cerca de 10 anos. “O trabalho era o mesmo, o rendimento era maior e tinha mais tempo livre”. No entanto, continua a ser “uma vida dura, todos os dias esteja bom, esteja a chover é preciso tratar delas…” A conversa avança enquanto ordenha as ovelhas, uma delas com um pau na boca “porque está a desmamar”. Calmas, não reclamam quando se aproxima delas e o balde se enche de leite. Sem surpresas, no estábulo onde estão as cabras, ouve-se mais barulho quando chega a sua vez de serem ordenhadas. “São espertas, mais ruins, mais velhacas”. Até o bode tem de ficar preso durante a noite. “Não deixa as cabras sossegadas, sempre na brincadeira, sempre às marradas”.

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Augusto Ribeiro pastoreia e ordenha o rebanho de ovelhas e cabras.

Conhece os animais com detalhe. A alguns até lhes dá nome. “Aquela ali é a Zalita, porque tem as orelhas mais pequenas”. Cuida de cada um com cuidado, tal como a sua mulher trata de cada queijo, todos os dias, com atenção.

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