Manteigas
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As abelhas? São gado muito fino.

Manuel Monsanto estabeleceu um vínculo apertado com as abelhas. Além de um negócio são uma terapia. Trabalhadoras voam da urze para o salgueiro, do rosmaninho para a flor do castanheiro para fazerem o intenso mel de montanha.

Manuel Monsanto passa pelas abelhas com vagar, descansa as mãos nas colmeias como se, assim, sentisse a vivacidade da colónia. “Este é o voo da limpeza. Há abelhas obreiras que andam cá por fora e outras que não saem lá de dentro. Este voo é feito à volta da colmeia. Quando andam assim alvoraçadas não fazem mal nenhum”, explica como forma de sossegar os menos experientes que o acompanham.

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Abelhas fazem o voo de limpeza em torno da colmeia.

A sua voz é pausada, como mel a escorrer devagar de uma colher. “Não faça gestos bruscos e ponha a máscara para proteção. A abelha não é tão agressiva quanto dizem, apenas defende o seu território, como qualquer outro animal”. Uma receita que o apicultor aplica há mais de 40 anos quando comprou a primeira colmeia. Calma é o segredo. “É uma espécie de terapia”, explica. “Enquanto puder, não vou largar isto”, acrescenta. Razão pela qual continua a investir para renovar o equipamento com que trabalha. “Eu não me governo das abelhas. Empatei tudo o que ganhei nas abelhas. Andei a comprar máquinas para a extração de mel, para modernizar mais. Posso é tirar alguma coisa de aqui em diante”.

Da receita à produção

Mais do que um mero hobby, Manuel Monsanto criou com as abelhas um laço difícil de quebrar, que começou há mais de quarenta anos. “Apanhei um esgotamento em 1969/1970 e andei dois anos nos médicos. Quantos mais comprimidos tomava, pior andava. Tive um amigo que me indicou um ervanário, mas eu não tinha fé nessas coisas… Os chás e ervas… Até me deixava rir”, assume entre sorrisos.

Continua a história perto da ribeira que percorre um dos terrenos em que mantém parte das suas colmeias. “Cheguei a ir, num só ano, nove vezes a Lisboa a um neurologista que até era o médico do Salazar. Ia lá todos os meses e continuava tudo na mesma. O médico disse: ‘Vá para casa, deixe de tomar os comprimidos e faça uma vida normal’”. Deixar os “comprimidos para os nervos, custou muito. Principalmente na primeira semana”.

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Manuel Monsanto, há 40 anos entre as abelhas.

Sem outras soluções, decidiu ir ao ervanário. “Deu-me uns pós para misturar em meio quilo de mel e, depois, tomar uma colher de sopa um quarto de hora antes das refeições. Aquilo até custava a comer. Deu-me também três chás para limpar o sangue, o fígado e os nervos. Lá comecei e a coisa foi indo. Ao fim de quinze dias estava eu a dizer para a minha mulher: “Aurora parece que já me sinto melhor”.

Manuel Monsanto trabalhava na Sotave – Sociedade Têxtil dos Amieiros Verdes como ultimador de tecidos, depois de passarem por todas as fases. “Tinha grandes responsabilidades, porque dali tinha de sair tudo perfeito”. A pressão do emprego não foi um problema e “ao fim de nove meses estava curado”. Um primo a quem comprava o mel fez-lhe a proposta que lhe passou a ocupar tempos livres e, agora, a reforma. “Eu gastava muito mel, ainda hoje gasto. Tomo mais de duas colheres de sopa por dia. Adoço tudo com mel. Esse meu primo tinha abelhas e disse-me: “Porque é que não arranjas uma colmeia?’” Muitos anos depois ponderou vender as colmeias, mas o bem-estar que sentia pareceu regredir. “Ao fim de uma semana a minha cabeça já não andava boa”, lembra preocupado. Em vez de sair do negócio, aumentou a produção.

Mel de montanha

Hoje tem mais de 40 colmeias e, num ano bom, produz em média quinze litros de mel por colmeia. “Em 2016 falharam trinta por cento, foi um ano mau. Que primavera houve? Que fruta é que houve?” Manuel Monsanto indica algumas das condicionantes para a definição das características do mel da Serra da Estrela: além do típico clima de montanha, com grandes contrastes, a flora da floresta dá ao mel um aroma e sabor intensos. “O nosso mel aqui é de uma qualidade extraordinária. É diferente de outras regiões, o cheiro é muito forte. Um ano como o de 2016 é diferente, porque o mel não apanhou a primavera toda e falta-lhe os ingredientes que as abelhas apanhavam antes de maio. Só em maio é que fizeram mel para a gente tirar. Este ano é mais à base da flor do castanheiro. Se fosse até maio tinha a urze, salgueiro, rosmaninho…”

Na Serra da Estrela nem tudo é igual a outras regiões de clima mais temperado. “Já tenho feito a cresta (quando tiramos o mel) em julho ou agosto. Lá fora até tiram em junho e, por vezes, fazem duas crestas. Aqui temos menos produção, porque temos menos sol”. A abelha trabalha todo o ano, assim a temperatura o permita. “Quando vem o frio recolhem e quando há muito calor, mais de 25 graus Celsius também são preguiçosas”, explica o apicultor.

O mesmo acontece, por exemplo, no momento da enxameação. “Só pode haver uma abelha mestra em cada colmeia. Quando renovam a abelha mestra, a abelha velha foge com parte da família que está na colmeia e forma um cacho que se pendura num arbusto ou numa árvore. Apanhamo-lo e pomos noutra colmeia. Só que isso dá-se em abril ou maio e lá fora é mais cedo”

As leis das abelhas

Detalhes que fazem a diferença, porque “as abelhas regulam-se pelo ar quente ou frio e lá têm as suas regras”, esclarece Manuel Monsanto. São sensíveis a ínfimas variações. “Isto é um gado muito fino. Está aqui esta colmeia, se a mudar um metro para além, elas não vão lá ter, morrem aqui. Matam-se umas às outras quando entram na colmeia errada, porque cada enxame tem o seu odor”.

 Sentem também o cheiro do apicultor e reconhecem-no. É isso que lhe diz a experiência. “Estou convicto de que elas conhecem as pessoas. Se for ao outro terreno onde tenho abelhas, como às vezes passo algum tempo sem lá ir, mal lá abordo, vêm ter comigo. Aqui, como estou todos os dias, nem se aproximam. Deve ser do aroma”.

Ficam, no entanto, para a história, duas experiências em que Manuel Monsanto não foi tão bem tratado pelas suas amigas. Se bem que, até aí, o erro foi humano. “Um dia, ainda estava eu a aprender como se tratava as abelhas, apareceu-me uma lagarta numa colmeia. Tentei ver se havia mais alguma, mas só levei um casaco de golas abertas, elas entraram por ali a dentro. Não conhecia as casas de equipamentos, usávamos os hábitos antigos…”. Há poucos anos o excesso de confiança traiu-o. “Encontrei uma colmeia caída e tentei endireita-la sem equipamento. Levei uma tareia”.

As colmeias de Manuel Monsanto dividem-se por dois terrenos no Parque Natural da Serra da Estrela. Um fica perto de Sameiro e bordeja o rio Zêzere. No outro, em Manteigas, a sombra das copas de enormes castanheiros acompanha o zumbido das abelhas. Ali, sem gestos bruscos, seguindo a calma do apicultor e com algum equipamento protetor vestido, nem uma picada de abelha ficou para registo.

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