Campo, Manteigas
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Mimo às manadas

A montanha não dá abrigo e alimento apenas às cabras e ovelhas. As vacas do vale da Castanheira pastam nos lameiros e comem centeio.

Ainda com espanto e um sorriso, José Eduardo Brazete recorda um dos primeiros invernos em que começou a criar gado. “Andei à procura das vacas e não as via. Imaginava-as meio mortas, mas encontrei-as entre as giestas, vivas, todas juntas”. Ali, na Castanheira, a uma altitude de cerca de 980 metros, os meses mais frios podem ser bastante duros.

No entanto, é neste ecossistema em pleno Parque Natural da Serra da Estrela que o agricultor de 59 anos encontra todos os ingredientes para cuidar da sua manada. “Os bezerros bebem leite e comem erva. Semeio centeio para elas comerem. Depois dou-lhes na primavera, enquanto ele [o cereal] está pequenino”, explica José Eduardo Brazete.

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Bezerros.

O gado de José Eduardo Brazete, 21 fêmeas e 2 machos, vive em relativa liberdade nos 14 hectares da propriedade, apenas limitada pela cerca (pastor) elétrica. São uma mistura de duas raças francesas, “a charolesa, porque são vacas de carne e a limousine (o boi), dizem que não dá tantos problemas ao parir. O charolês nasce muito grande e o limousine nasce mais pequenino”. Outro benefício? A resistência às baixas temperaturas da serra. “Indicaram-me que esta seria a melhor raça para andar por aqui no frio”, explica o criador.

Lameiros: pastagem natural

As vacas passam o dia no lameiro, onde “no verão comem o pasto natural do lameiro bravo”. Quando vem o inverno, época “em que os prados já não deitam tanta comida, às vezes, damos-lhes feno, mas só quando falta comida. Não compramos feno, colhemos aí. De inverno também comem a palha do centeio.”

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Vacas no lameiro.

Os lameiros são pastagens típicas da montanha, muito férteis, não semeadas, ou seja, de vegetação espontânea. Como é explicado num ensaio publicado por Isabel Pôças, Mário Cunha e Luis S. Pereira: os lameiros, “em Portugal, concentram-se principalmente nas regiões mais montanhosas de Trás-os-Montes, mas também na Beira Interior e Entre Douro e Minho, na proximidade das linhas de água e normalmente a cotas superiores a 700/800 m, constituindo um dos elementos mais típicos da paisagem.”

Semear centeio

Aquele regime alimentar natural é complementado pelo centeio e o feno. O que faz do criador de gado um agricultor. As terras centeeiras, lá no “alto dos cabeços”, apenas são lavradas e cultivadas de três em três anos. No fundo, é um sistema de rotação que permite aos terrenos pobres recuperarem do esforço feito. “Temos três sítios e estão sempre dois parados. Está um de centeio, um de restolho e um de pousio. O restolho é onde houve o centeio nesse ano e fica o restolho”, acrescenta José Eduardo Brazete.

Claro que “há quem lavre as terras todos os anos e semeie todos os anos”, mas para isso “têm de adubar, usar fertilizantes”. Só que “nunca é tão bom, porque as terras gostam de folgar”, explica. Os terrenos férteis das encostas e ao fundo do vale nunca seriam usados para esse fim, “utilizamos para milho e batata”.

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Centeio.

Afinal, o centeio é um cereal pouco exigente. A FAO, organização das Nações Unidas para a Comida e Agricultura descreve-o num relatório de 2004, como sendo: “robusto, capaz de se adaptar aos solos mais difíceis, com elevada tolerância à falta de água, ao frio e às doenças”. Ideal para ser cultivado nas terras mais pobres e duras da montanha.

Mais cabeças

Tanto cuidado com a alimentação do gado tem um objetivo. Criar as vacas de modo a obter o melhor preço quando “as vender a um negociante que vende para fazer criação, alguns machos serão para o matadouro”, justifica José Eduardo Brazete. Este criador quer “fazer crescer a manada. Temos algumas vitelas, mas é para criar, é para ficarem cá mesmo.” Para serem mimadas com pasto do lameiro e forragem de centeio, cultivado nos cabeços do monte.

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Ribeiro do vale da Castanheira.


Fontes:

– FAO – Food and Agriculture Organization of The United Nations: “Triticale improvement and production”, 2004

– Jardim Botânico da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – Ficha de Espécie: http://jb.utad.pt


– Pastagens Seminaturais de Montanha: Lameiros, Sistemas Ancestrais no Século XXI por Isabel Pôças(1); Mário Cunha (1); Luis S. Pereira(2)
(1) Secção Autónoma de Engenharia de Ciências Agrárias, Campus Agrário de Vairão, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto, Portugal
(2) Centro de Estudos de Engenharia Rural, Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa, Portugal

 

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